Opinião

Notas Soltas

NOTAS SOLTAS

É o título da colaboração que agora inicia no nosso jornal, Fernando Seara agora vizinho e grande observador do que se passa pela capital do surf. Vive, observa e desfruta o que temos de melhor – As praias, o iodo , a boa vizinhança, além dos petiscos da nossa zona e tudo à roda.

 

Por Fernando Seara

Lá fora toca, sempre à hora certa, a sirene. Como tocam, face à solenidade
do mar que nos banha e do seu Oceano que nos aproxima, os sinos.
Estremeço mas depressa sinto uma profunda serenidade.

Avisto este horizonte infinito, abraço as ondas altas e vislumbro a espuma por vezes
densa.

Não são em caso algum as Trindades, como aprendi na minha
mimada infância beirã, a anunciar o meio ou o termo do dia.

São, de verdade, com os tons de branco e azul, verdadeiros momentos de alva a
renovar o dia sobre a noite. Cheguei à Ericeira há poucos anos.

Aqui vivemos um tempo de vida. Dirão uma travessia de e da vida. Com amor e
proximidade. Com partilha e disponibilidade. Conhecendo homens e
mulheres de uma afabilidade singular e com uma generosidade única. E
com uma simpatia irradiante. Que se sente e pressente a cada sinal.

Em São Sebastião ou no “Jogo da Bola”. Acolhendo-nos sem nos considerarem
minimamente intrusos. Mas solicitando, naturalmente, num silêncio
cúmplice que nos motiva, que tenhamos memória, saibamos a história
que as (os) orgulha e o presente que os (as) motiva. Este sentimento de
“quase pertença” leva-me a esta ousadia mensal.

Dar conta das minhas “estórias” na e com a Ericeira.

E neste jornal que é um rijo baluarte e um resistente assumido

neste novo tempo da comunicação e da informação.

Ao assumir o papel da memória recordei a D. Agustina Bessa Luís. Guardo
dos largos momentos em que privei com esta Senhora encantadora o seu
sorriso e a sua profundidade, a sua sabedoria e a sua serenidade, a sua
inteligência e a sua lucidez, a sua prudência e a sua consciência.

Ela com a sua riqueza diz-nos que “o contador de histórias – peço perdão – não é um
romancista. Lembra-se – não constrói, deixa-se arrastar pela memória do
amor e surpreender pelos episódios, tão vivos no seu coração, que não
pode menos que sublinhá-los conforma a sua própria surpresa”. Sei que,
por vezes, nesta Ericeira que encanta as ondas estão altas e a água fria 

mas sei, por experiência vivida e sentida, que os corações das mulheres e
dos homens desta Vila estão sempre quentes.

Sei que o surf projeta a vila mas também sei que os “jagozes” e os “banhistas” continuarão a ter uma
relação de íntima proximidade neste tempo de alterações climáticas.

Sei que aqui a “monarquia acabou” mas também sei que os pescadores
abraçam a sua praia republicana e nas dificuldades permanentes, se
lançam ao mar com a coragem que levou, em outros momentos e com
pouco êxito, os “piratas argelinos” buscarem “sustentos” nesta terra de
velas tradições com foral outorgado pelo Rei D. Dinis.

E degustando nós,
sempre que possível, os ouriços que este mar entregou, com toda a
solenidade, a esta Vila que, com afeto, nos recebe. E tentarei mês após
mês, neste espaço acolhedor, e com estas notas soltas, reconhecer um
acolhimento singular e afetuoso. Lá fora tocam as sirenes e os sinos. Que
sons lindos ecoam na vossa – nossa – Ericeira!