Opinião

CONFISSÕES DE FIM DE SEMANA

...sempre tive o feitio de preferir tratar os vivos bem quando merecem do que depois de mortos.

FUNERAIS… & AFINS

Nunca tive por hábito, vestir-me de luto nem de, corpo presente, ir a funerais, e como diria um amigo – e espero até nunca… ter de ir ao meu!

Mas como era preciso, e me pediram para servir de motorista a um amigo que está carente, doente e incapacitado de se locomover com facilidade, lá fui, pois no fim de contas era também um amigo comum que tinha morrido.

Sou um “amador” destas lides fúnebres, depois como nada daquilo me é comum, tudo me parece esquisito. Sim, porque há “profissionais” destas coisas, não falo de empregados de funerárias, falo daqueles que não falham um funeral e sabem tudo como se processa, as horas, os sermões, as exéquias, o cortejo e o sector respectivo de cada cemitério. Nisto e em hospitais há quem perceba de tudo, para mim tudo é complicado.

Já não somos todos enterrados, há muitos que hoje optam por ser cremados, e como diria o outro “ que assim como assim, que seja antes “gratinado”. É mais apaladado.

Mas o sentimento de quem vai a um funeral, como foi o meu caso, mais como acompanhante – observador do que por hipocrisia, ou por sentimentalismos, fica chocado com o negócio que tem “tiques” de grande organização, à séria, sem publicidade pois foi organizado por qualquer coisa acabada em lusa, que pensava eu, que seria uma empresa descendente das funerárias americanas da máfia italiana, mas já me disseram que pertencia ao BCP ou aos administradores do banco. Nestas jogadas o dinheiro está sempre como factor comum.

O edifício, não um, mas dois quase anexos ao cemitério, têm salas amplas, como as Organizações de casamentos e baptizados e com boa sinalética não há que enganar. A garagem subterrânea serve de parque de estacionamento grátis, (alguém paga na factura total) a parede do elevador de acesso às Salas onde está o corpo a ser velado ou a estacionar para ser conduzido ao cemitério, indica numa sinaléctica especial o nome do falecido com a indicação da respectiva sala. Aqui devo dizer que é uma boa ideia – pois no funeral de um familiar, no Hospital de Santa Maria, se ainda bem me recordo, um parente chegou tarde ao funeral pois tinha estado a carpir numa outra sala que por azar, não era o morto certo. Quando deu por isso veio a correr e quase não chegando a tempo para o funeral correcto.

A evolução não acaba aqui. As salas têm além da identificação e dum mural pintado à mão assim como a tentar dar uma ideia de paraíso de verdes paisagens com flores e infinitos espaços, além de cadeiras cómodas e com design. Na parede de entrada um televisor com a foto do falecido informa o “programa das festas” festas não, mas das cerimónias, com a informação das exéquias e quem ministra a bênção e logo a seguir o tempo da duração da cerimónia e, depois e ainda, a hora do despacho para o cemitério que é a pouco menos de 500 metros.

Estas imagens através de circuito interno partem de um computador que corrige qualquer atraso motivado por anomalias de processo.

Entretanto os familiares e amigos vão chegando e enchem a sala e até aproveitando o cigarrito juntam-se por opção, ao ar livre, na entrada do edifício.

E aqui , duas horas antes do fim do funeral há  uma espécie de festa- convívio. Não se fala alto pois parece mal. Mas contam-se anedotas,  comentam-se, e recordam-se passagens caricatas e alegres, da vida comum ao morto e aos vivos presentes. Ou para outros, mais mal-dizentes, corta-se na casaca do morto.

Na casa dos “entas” o falecido tinha setenta anos, os amigos estavam entre os sessenta e os oitenta anos. Eu estava no meio de gente com quem trabalhei em jornais e revistas, mas que me afastei voluntariamente, como um emigrante, para aqui à beira mar plantado. Agora, trabalha-se por email,  não é necessário ir para a cidade-capital, e perder-nos no emaranhado de ruas  com sentido proibido que políticos iluminados acharam que melhorava a fluidez do trânsito. E onde, recordando, bem fora de horas comíamos e bebíamos, e hoje tudo fecha cedinho tal como Mafra. As tascas que conhecíamos a Alga e muitas outras, já pertencem ao passado, resta o Galeto e pouco mais. 

Mas o curioso foi ver as caras da malta, que na verdade, tinham semelhanças mas nada igual. Eu pensava que estava novo, mas poucos me reconheceram e tinham dúvidas. ( O nosso espelho mente). Mas eu estava na minha (que era o mais novo deles todos). Grande parte tinha bengala para equilibrar o AVC que tinham tido. Em outros as rugas eram tantas, que os óculos não tinham onde se agarrarem. E a memória atraiçoava-os de maneira brilhante pois confundiam o 25 de Abril com o Natal do ano passado.

As meninas de outrora, elegantes e sexys, estavam caquécticas agora. A beleza e a frescura dura mesmo muito pouco, só realmente dura mais é a beleza interior que nos alenta e nos dá força para continuar a por cá andar. Isto dizem as mais feias …mas corresponde à verdade – facto verificado e comprovado apenas muito mais tarde.

A palavra de ordem-“Tudo está em grandes alterações”- O Diário de Noticias deixou o papel e só o agarra ao domingo, de resto a Net está a dominar e ninguém aprendeu ainda a ganhar dinheiro com as notícias na Net.

Tudo quer lucrar, mas todos perdem dinheiro e todos os dias. A malta está-se a habituar a ter tudo à borla. E também se falava que O Diário de Noticias- só tem meia dúzia de jornalistas e centenas de Directores, administradores, Marketeers, Pensadores e outros cargos altíssimos, e quem manda agora já não são os africanos são os chineses…

Tudo a ver com o defunto. Eram amigos. Mas estavam-se todos nas tintas para o funeral. Estavam ali por tradição e para falarem uns com os outros. Alguns não se viam há décadas como era o meu caso. Mas eu só estava ali como condutor, era amigo do falecido quando trabalhei com ele, e sempre tive o feitio de preferir tratar os vivos bem quando merecem do que depois de mortos.

 

Uma crónica de Helder Martins

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